O GERENTE PERFECCIONISTA

É um sistema de administração e controle organizacional, mais fácil de entender do que de explicar.

O protótipo desse sistema e talvez a sua expressão mais simples é uma família em que a mãe está sempre presente junto aos filhos e o pai, por trabalhar em outra cidade ou até outro país, só está presente periodicamente, nos fins de semana, uma vez por mês, às vezes, ficando longe por períodos bem mais longos. O pai distante quer, toda vez que vem, um relatório detalhado do comportamento dos filhos. Para produzir esse relatório minucioso, a mãe precisa ter controle absoluto do comportamento dos filhos, de modo que nada pode ser feito sem a permissão explícita dela. Lembro-me de conversar com uma mãe assim, que veio com sua filha de 9 anos, em minha sala de conferências. Havia um quadro branco com vários pincéis e sugeri que a criança desenhasse no quadro enquanto conversava com a mãe. A criança interrompia a nossa conversa para pedir permissão a cada vez que quisesse mudar seu comportamento, por exemplo, toda vez que quisesse trocar de pincel, mudar o desenho, mudar de posição no quadro, escrever uma frase... A conversa com a mãe não foi possível.

O fenômeno ocorre sempre que houver um gerente distante e outro próximo, por exemplo, o chefe do setor é distante e o supervisor de primeira linha é próximo. O supervisor deve fazer relatórios rigorosos.

O dono da empresa é distante e vem periodicamente discutir o relatório (digamos, mensal) com o gerente presente na unidade. Muitas fazendas no Brasil são administradas assim. O dono é um industrial de São Paulo e vai periodicamente visitar sua gigantesca fazenda no centro-oeste. Chega de jatinho na sexta, discute três horas de relatório, detalhe a detalhe, diverte-se no fim de semana com a família e volta para casa.

Sistemas corporativos gerenciados por colegiados também podem estar nessa armadilha. Precisam também receber o relatório perfeito e detalhado periodicamente e costuma se basear nele à distância.

Alguns elementos importantes até aqui: o gerente distante, o gerente presente, o relatório, distâncias dentro da organização definidas no organograma, os executantes, o perfeccionismo.

O gerente distante. Seu papel é verificar o relatório e discuti-lo detalhada e profundamente com o gerente presente. Geralmente o relatório não descreve erros, mas os procedimentos e sequências. Em realidade, erros não devem ocorrer, a menos que alguém tenha desobedecido os procedimentos, ou tenha tomado iniciativas inadequadas. Em todos os casos, a pessoa que errou deve ser corrigida! O relatório deve conter tudo, como aconteceu. Assim, ninguém precisa oprimir ninguém pessoalmente. O relatório faz isso muito bem.

O gerente presente. Tem que ser fiel ao relatório. É ele para o relatório, não o relatório para ele. Controlar tudo é o objetivo. Se uma tarefa tem três etapas, ele instrui o executante para a primeira. A segunda etapa só pode começar com sua instrução expressa. É comum, então, que o executante termine a primeira etapa cedo no dia e fique esperando pela instrução para a segunda na outra parte do dia!

O executante. Deve ser obediente e não deve tomar nenhuma iniciativa. Deve ter cuidado também para não incomodar o gerente que está supervisionando outras tarefas. Se não tem instruções específicas, não faça! Suas iniciativas podem desorganizar tudo e prejudicar o relatório. Deve aprender a se defender muito bem de outras pressões que o sistema impõe. O cliente que espere. A situação que deteriore. A primeira etapa pode ser perdida se não se der início à segunda? Pode ser, mas não cabe a você corrigir seja lá o que for.

As distâncias podem também ocorrer no organograma. O diretor espera o relatório do gerente em seu gabinete, que espera o relatório do supervisor, que controla a execução. Tudo anda rigorosamente certo!

Em sua essência, um sistema assim é perfeccionista. A ideia que o gerente distante comunica a todos os outros níveis é a de que o erro não deve ocorrer. O erro está na pessoa imperfeita que deve ser rigorosamente controlada corrigida.

A intenção desse sistema tão rigoroso é a de manter as pessoas sob controle, para evitar que elas errem. Em sua evolução, tal sistema vai criar grandes mudanças na organização e não vai cumprir sua intenção.

A princípio, controla os grandes erros, mas não os pequenos erros, que tendem a gerar outros pequenos erros, até gerar grandes erros ou uma somatória grave de pequenos erros. Os pequenos erros, mesmo quando parecem ter pouca importância, podem gerar transtornos, incompreensões e problemas de relações. A expressão “temos que consultar o chefe” acaba ficando repetida, reduzindo a credibilidade da organização.

A perda progressiva da iniciativa dos executantes pode acabar por engessar toda a organização. Os cruzamentos de linhas de hierarquia, em função da necessidade de resolver problemas em níveis hierárquicos cada vez mais altos, já que não podem ser resolvidos com o executante que, por sua vez, está proibido de ter iniciativa.

As relações tendem a piorar muito, por interrupções contínuas do trabalho do gerente e das pessoas em geral, primeiro por banalidades, até que as relações fiquem muito difíceis. Eventualmente, grandes erros serão gerados.

Para o observador menos avisado, o sistema parece funcionar bem, com as pessoas seguindo todos os procedimentos e com a ilusão de que, se as rotinas forem executadas, e se forem fielmente relatadas, na ordem certa, nas etapas certas, tudo vai dar sempre certo. Uma organização assim, como uma máquina emperrada, funciona precariamente, com muito gasto de energia, até travar definitivamente.

A perda da capacidade de iniciativa das pessoas, ao longo do tempo, pode tornar a organização definitivamente incorrigível. Filhos criados em uma família assim, como no exemplo da criança descrita no início, podem nunca adquirir a capacidade de adaptação necessária ao mundo do trabalho e das relações!

Maurício de Souza Lima Tocafundo

Equipe IbraPNL